segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Quando ele me perguntou o que eu queria

elogio ao amor puro


 Amor Paixao Namoro Impossivel Saudade Beleza Miguel Esteves Cardoso
The Kiss - Gustav Klimt


"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo. O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão.

Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria. Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há, estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, banancides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas.

Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo? O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".

Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. é uma questão de azar. O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra.

A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende. O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe. Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem.

Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado, viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."

Texto de Miguel Esteves Cardoso in Expresso






eu respondi «quero que sejas louco por mim, quero que não consigas viver sem mim».
ele pestanejou e fingiu que não ouviu diante dos meus olhos rasos de amor .



domingo, 28 de novembro de 2010

Domingo

Eu Juro... que um dia te mato!

A partir das sombras do «Sombras»

Os meus olhos são verdes de olhar tanto o mar
o trapo manchado de sangue, a caminhada lenta e trôpega da vida desliza até a um palco e estanca empoeirada a um canto como o lixo do mundo
Eu ia mais feliz lá para onde se vai se o Senhor me desse os bons dias
sombras solidão, se soubesse sentindo Sebastião, soa-me a silêncio severo, sabes?
Encontrei o amor mas perdi a vida
os estilhaços da janela já se esperavam ouvir, o estrondo do corpo que mais monstro ficou na morte
era luar da meia noite
e na rua passou Ninguém.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Lago dos Encantos

e hoje inventei a palavra abraço mas não sei o que quer dizer.
fico mais perto. embrulho-te cada semana em fios de saudade e trago-te comigo. enches a casa de uma voz fininha, estridente, gargalhadas, gritos, sons, diálogos em voz alta de menina. às vezes peço-te em silêncio que me recordes como se faz. vamos inventar a palavra tempo e abrir espaço só para nós nessa palavra. um recanto nosso, só meu e teu onde cada passo de dança é o eco do sonho. rodopiamos de mãos dadas e o mundo fica às avessas, o mundo é às avessas e brinca às escondidas. somos transparentes como eles. juntas vivemos no Lago dos Encantos.
hoje inventei a palavra abraço e já sei o que quer dizer.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Brincos de princesa

O que será que ela pensa agora, ali sentada num espaço que não reconhece. Que mundo? Que pessoas? Que rostos desfocados que ela tenta reconhecer. Será que tenta? Não percebe, não fala, não identifica. De vez em quando tenta comunicar em sons e ruídos animalescos até que desiste cansada. E suspira. Um suspiro longo e profundo. Impaciente. Não estava à espera, já estava à espera. Onde estará ela? Olha-me de alto a baixo. Olha-nos. Fica fascinada com a tenra juventude. Não sabe quem somos. Ou será que sabe? A mão trémula, enrugada mais do que o tronco do castanheiro não tem força para agarrar a minha. Desiste. Suspiro profundo. Os olhos brilham mas quem sabe se serão lágrimas... Ela dizia «São brincos de Princesa!». E eu acreditava. Ainda havia brincos de princesa, eu ainda queria ser princesa.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Testosterona feminista

Gosto da delicadeza com que a maior parte das pessoas que me conhecem bem ou mais ou menos bem me tratam. São raros os amigos que me tratam por Marta. O Martinha vem sempre à baila. Tirando lá em casa que as coisas iam mais pelo Martocas. Não é por ser uma fofura que o diminutivo é usado, muito menos por ser pequenina ou magrinha, gosto de pensá-lo como um atendimento á minha sensibilidade extrema, mas não do género de sensibilidade cristal, outra mais cá dentro, mais orgânica. No entanto, enquanto não me virem a beber vinho ou cerveja ou a andar a pé em tempo indefinido é possível que a sensibilidade cristal iluda.

Foi só uma introdução.


O que eu quero partilhar (mesmo sabendo que escrever neste blog desconhecido é mais falar comigo e perceber-me do que propriamente mostrar), são aquelas situações que quando terminadas tantos elementos do sexo feminino têm esta reacção: suspiram profundamente com ar de vencedoras, brilho nos olhos, o verbo desenrascar e levemente, sem querermos, vem aquele pensamento (que já não é legítimo ter porque já se sabe, mas que ainda paira em nós) que não precisamos de um homem para nada.

Bom, tive alguns momentos de triunfo desta testosterona feminista quando por exemplo:

1) Salvei a casa da inundação que começou na varanda e se alastrou pela cozinha, tirei água à baldada, molhei-me toda, desentupi o ralo com uma faca e depois não ocnseguia tirar a faca, inventei um mecanismo para tirar a faca, mentira já, tive não sei quanto tempo a tentar tirar a faca desentupidora do ralo que depois estava a entupir o ralo. Mas consegui.

2) Fascina-me a organização de burocracias, papéis para isto para aquilo, que lá em casa só o pai é que faz, a mãe não quer saber, mas depois lixa-se que nunca sabe. Check. Mandar à merda um gajo que está a mandar bocas e a ser nojento (nota-se: à noite. nota-se: o bom da chuva é andar de guarda-chuva, qualquer coisa, podem-se tirar olhos ou o que a reacção se lembrar).

3) As compras. Leite e garrafões de água. Sem carro. A chover. Sem outro elemento para ajudar. Declaro que sentir os braços quase em desmaio, a tremer por causa do esforço de conseguir levar seis pacotes de leite e um garrafão de água mais um saco de plástico com bananas do Pingo Doce à minha casa é uma satisfação de independência. Tal como ter carregado com a estante pelas escadas acima, três andares. Adoro no fim.

Não percebo bem porquê nem como mas nestes momentos de testosterona feminista posso ser por uns minutos uma mulher calculista, fria, racional, independente, altiva. Características de "má" pessoa que até davam jeito. Às vezes.
resiste-se sempre mais do que se pensa que se consegue

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

amor e morte dois amantes






Para quê ver céu e cores se a teia trava, corta, queima, enforca.
arranca-me os olhos e deixa-me sonhar com outro tema que não seja o coração. assim não verei cores nem sépias brancos negros. prefiro ficar num asilo de alucinações.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Ângulos


Peço-te que me acaricies com o pensamento já que te levaram as mãos e me despojaram o corpo.
Mingo entre os farrapos estendidos na varanda, nunca secam, estão sempre húmidos, tento secá-los mas não. Não resta mais que a corrosão do tempo.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010


«O que pode acontecer imperceptivelmente, quando um olhar meu, na rua, «apanha» um outro olhar: não se sabe como, dois corpos (e dois espíritos; melhor: dois inconscientes) encandeiam-se um no outro, numa espécie de captura recíproca. Envolve-os um mesmo meio que transmite directamente as forças de um corpo ao outro.»