I
Dava pelo nome muito estrangeiro de Amor, era preciso chamá-lo sem voz –
difundia uma colorida multiplicação de mãos, e aparecia depois todo nu
escutando-se a si mesmo, e fazia de estátua durante um parque inteiro,
de repente voltava-se e acontecera um crime, os jornais diziam, ele
vinha em estado completo de fotografia embriagada, descobria-se sangue, a
vítima caminhava com uma pêra na mão, a boca estava impressa na doçura
intransponível da pêra, e depois já se não sabia o que fazer, ele era
belo muito, daquela espécie de beleza repentina e urgente, inspirava a
mais terrível acção do louvor, mas vinha comer às nossas mãos, e bastava
que tivéssemos muito silêncio para isso, e então os dias cruzavam-se
uns pelos outros e no meio habitava uma montanha intensa, e mais tarde
às noites trocavam-se e no meio o que existia agora era uma plantação de
espelhos, o Amor aparecia e desaparecia em todos eles, e tínhamos de
ficar imóveis e sem compreender, porque ele era uma criança assassina e
andava pela terra com as suas camisas brancas abertas, as suas camisas
negras e vermelhas todas desabotoadas.
Herberto Helder
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