terça-feira, 19 de março de 2013

Algures, com Jorge de Sena e o Minotauro e 25 anos

"Coleccionarei nacionalidades como camisas se despem,
se usam e se deitam fora, com todo o respeito
necessário à roupa que se veste e que prestou serviço.
Eu sou eu mesmo a minha pátria. A pátria
de que escrevo é a língua em que por acaso de gerações
nasci. E a do que faço e de que vivo é esta
raiva que tenho de pouca humanidade neste mundo
quando não acredito em outro, e só outro quereria que
este mesmo fosse. Mas, se um dia me esquecer de tudo,
espero envelhecer
tomando café em Creta
com o Minotauro,
sob o olhar de deuses sem vergonha."

Jorge de Sena

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

OS ANIMAIS CARNÍVOROS

I

Dava pelo nome muito estrangeiro de Amor, era preciso chamá-lo sem voz – difundia uma colorida multiplicação de mãos, e aparecia depois todo nu escutando-se a si mesmo, e fazia de estátua durante um parque inteiro, de repente voltava-se e acontecera um crime, os jornais diziam, ele vinha em estado completo de fotografia embriagada, descobria-se sangue, a vítima caminhava com uma pêra na mão, a boca estava impressa na doçura intransponível da pêra, e depois já se não sabia o que fazer, ele era belo muito, daquela espécie de beleza repentina e urgente, inspirava a mais terrível acção do louvor, mas vinha comer às nossas mãos, e bastava que tivéssemos muito silêncio para isso, e então os dias cruzavam-se uns pelos outros e no meio habitava uma montanha intensa, e mais tarde às noites trocavam-se e no meio o que existia agora era uma plantação de espelhos, o Amor aparecia e desaparecia em todos eles, e tínhamos de ficar imóveis e sem compreender, porque ele era uma criança assassina e andava pela terra com as suas camisas brancas abertas, as suas camisas negras e vermelhas todas desabotoadas.
Herberto Helder
Poesia Toda (1979)

terça-feira, 10 de julho de 2012

Acenar junto ao cais



deixa-me.
leva-me.
não me acordes. não me acordes de ti.

o quê?
ahh... são pedaços de pele desabotoados,
desmaiaram no mar,

embebedaram-se de.

leva-me.
deixa-me.

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

«[...] o dramático, mesmo que difuso, está em primeiro plano; ele remete para um acontecimento específico, primordial: o encontro catastrófico com o outro - ainda que seja o outro em si mesmo
JPS

domingo, 20 de novembro de 2011

cose-se-me o contorno sólido da imagem doeu-ponto-nu-deserto-do-mundo.
porque paredes me conheces. reconheces-me? apalpas-me em gelo, celofane transparente, um amor-diagnóstico com luvas brancas, ainda não se sabe por onde ir.

"o que nos cerca é ainda menos que coisa nenhuma, ainda menos que uma ausência. (Para o definirmos teríamos porventura de ir buscar uma palavra a um tempo antes do princípio.) Estamos absolutamente sozinhos. E o frigorífico?"


JLP

sábado, 29 de outubro de 2011

para que serve a ausência desejada do carrossel .